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Programa de Estudos de Estabilidade (PEE)


POR MARCELO DE VALÉCIO. POSTADO EM INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

A aplicação de um Programa de Estudos de Estabilidade (PEE) é condição para que uma empresa de biociências, em especial a indústria farmacêutica, possa assegurar que os seus produtos obedecem aos conceitos mais rigorosos de estabilidade exigidos pela legislação, mantendo a mesma qualidade durante todo o seu ciclo de vida. No caso de um medicamento, o PEE deve comprovar que, mesmo submetido a condições ambientais adversas, ele se mantém estável, garantindo as características físico-químicas adequadas durante todo o prazo de validade. “Seria impensável existir uma indústria farmacêutica que não desenvolvesse estudos de estabilidade de seus produtos. Até porque eles são uma das exigências para o registro no órgão regulador”, afirma Juan Sanchez Corriols, sócio-diretor da Star Consulting.

O PEE deve ser realizado não apenas no momento do registro, mas também no pós-registro ou na renovação de um produto farmacêutico. “Precisa conter todas as documentações que abrangem a avaliação de estabilidade físico-química, microbiológica, terapêutica e toxicológica”, acrescenta Anderson Carniel, professor do ICTQ e consultor em desenvolvimento e estabilidade de produtos e insumos farmacêuticos.

Basicamente, segundo Carniel, o PEE serve para definir o estudo da cinética de degradação de um produto, determinando seu prazo de validade, seleção do melhor material de acondicionamento e condições de estocagem ou de transporte. Esse processo envolve desde a escolha do fármaco adequado, passando pelas etapas de pré-formulação e compatibilidade, lotes pilotos, lotes para registro e no acompanhamento dos lotes comerciais (pós-registro). “O ensaio deve ser conduzido com algumas variantes que demonstram que pequenas alterações nas condições do produto, como mudança de meio de pH ou variação de temperatura, não afetam o resultado como um todo. Os resultados devem ser dimensionados de modo geral, mensurando os OOT (out of tendence) ou OOS (out of standard) e verificando também quesitos de validação de metodologias analíticas, por exemplo, para se avaliar robustez”, esclarece o professor do ICTQ.

Primeiros passos para realizar o PEE

A melhor forma de estabelecer um Programa de Estudos de Estabilidade é tomar como base as RDC´s publicadas pela Anvisa, pois assim não se corre o risco de realizar os estudos em dissonância com as normas, que definem muito claramente as metodologias a serem utilizadas, revela Juan Corriols. De acordo com ele, um PEE minimamente eficiente deve ter como base normas como a RDC 25 de 2013, que modificou a RDC 50 de 2011 sobre estudos de estabilidade. Há outras aplicáveis, como a regra voltada a produtos biológicos (RDC 55) ou a de foto estabilidade (RDC 45). “Normalmente, o PEE é definido por meio da elaboração de um Procedimento Operacional Padrão, que especifica detalhadamente como os estudos de estabilidade serão conduzidos. Seu dimensionamento será adequado às exigências das RDC´s à que esteja sujeita a empresa (produtos farmacêuticos, biológicos, etc.), sempre levando em consideração os prazos de validade definidos para o produto e sua frequência de produção, além da região climática à qual pertença a empresa, no caso do Brasil é a IV”, diz o consultor. No âmbito internacional, a melhor norma a ser seguida, segundo ele, é a GAMP V, publicada pelo ISPE e adotada pela FDA, que é o órgão regulador dos EUA. Há, ainda, o Guia de Estabilidade da Anvisa, que é atualizado a partir da literatura preconizada pelo ICH, grupo que reúne autoridades reguladoras e associações de indústrias farmacêuticas internacionais para discutir registro de medicamentos.

Em termos práticos, deve-se iniciar o PEE investigando o ingrediente farmacologicamente ativo (IFA) isoladamente e depois inserido numa forma farmacêutica, explica Anderson Carniel, lembrando que “o comportamento dentro de uma matriz muda bastante os parâmetros a serem considerados.” No que se refere às principais ferramentas que podem auxiliar na execução do PEE, elas variam desde as estatísticas, para o controle das planilhas, passando pelas de garantia da qualidade, até os softwares de gerenciamento de estudos de estabilidade, que proporcionam um controle eletrônico automático das etapas, gerenciando os eventos operacionais a serem realizados de forma eficiente. Já a responsabilidade pela elaboração do PEE varia de acordo com a empresa. “Há companhias em que a responsabilidade do PEE é da área regulatória, em outras é do controle da qualidade ou ainda da garantia da qualidade. Porém, os estudos de estabilidade têm obrigatoriamente que apresentar uma operação multidisciplinar, incluindo desde a diretoria, que apóia as áreas de execução dos estudos, até o ponto final da sua realização, passando pela produção, armazenagem, controle da qualidade e assuntos regulatórios”, diz Juan Corriols.

Pontos críticos a serem avaliados

Além dos parâmetros de temperatura e umidade, existem outros fatores de risco que podem ter impacto sobre a estabilidade de um medicamento. Entre eles, padrões químicos em reações provocadas por oxidação, hidrólise, racemização, dimerização, pH, cátálise oxidativa por metais, luz ultravioleta. Tais fatores podem ser provocados por impurezas das matérias-primas, sejam excipientes ou princípios ativos, problemas nas embalagens primárias, que podem ser mais suscetíveis à porosidade ou permitem degradações, e principalmente a incidência de luminosidade. “Este fator tem sido uma preocupação constante com relação à degradação dos produtos, inclusive tendo suscitado a criação de uma normatização específica, denominada Estudos de Foto Estabilidade”, afirma Corriols. “Até pela alteração dos fatores climáticos, ela pode proporcionar uma devastadora mudança nas condições físico-químicas dos produtos, provocando degradações importantes quando expostos à maior incidência de luz.” O fator foto-estabilidade tem provocado uma verdadeira revolução nas embalagens dos produtos, prossegue o consultor. “Muitos deles passando de plástico para vidro, alumínio ou outros materiais que proporcionam maior proteção contra a luminosidade.”

O foco central do Programa de Estudos de Estabilidade é justamente levantar os principais pontos críticos e buscar soluções para eles.“Espera-se determinação de que os produtos de degradação sejam identificados e quantificados e que sua qualificação não seja relevante para problemas clínicos ou toxicológicos”, enfatiza Anderson Carniel. “Assim, um produto submetido ao ensaio conduzido de maneira robusta deve ter seus parâmetros físicos, químicos, microbiológicos, terapêuticos e toxicológicos idênticos, desde o dia de sua concepção (desenvolvimento ou produção) até a expiração da validade”, sublinha o professor do ICTQ.

Quando aplicar o PEE

A periodicidade de aplicação do PEE está relacionada com o tipo de estudo de estabilidade que se deseje realizar, sabendo-se que eles estão divididos, basicamente, em: Acelerada, Longa Duração e Acompanhamento. Segundo Juan Corriols, antes do lançamento de um produto no mercado é indispensável a realização de estudos de Estabilidade Acelerada, que demonstram, em um espaço de tempo menor (seis meses), que o produto atende às exigências de qualidade indispensáveis para a sua comercialização, mesmo tendo sido submetido a condições ambientais adversas. Contudo, isso não dispensa a apresentação posterior de um estudo de estabilidade de Longa Duração, que contempla a totalidade do prazo de validade definido para o produto. Depois de registrado e comercializado, a empresa deve realizar os estudos de estabilidade de Acompanhamento, que comprovam que o produto se mantém em condições adequadas de qualidade ao longo de todo o seu ciclo de vida.

“Deve ser considerado que caso se deseje fazer qualquer tipo de mudança no produto, será necessário alterar o seu registro junto à Anvisa e, para isso, será necessária a apresentação de um novo estudo de estabilidade”, revela Corriols. A alteração pode variar desde a simples substituição de um fornecedor de matéria-prima, passando por trocas de excipientes ou de princípios ativos, mudanças de embalagem, alteração de prazos de validade, modificação nos processos de produção, entre outros. “Qualquer troca de embalagem, por exemplo, deve ter um PEE que comprove que não há qualquer degradação qualitativa do produto em decorrência da alteração. Igualmente, a substituição de excipientes ou princípios ativos deve ser precedida por um PEE que comprove que as condições físico-químicas e de eficácia do produto se mantêm inalteradas mesmo após a mudança. Vale observar que, neste caso, a simples troca do fornecedor exigirá o PEE, pois o novo abastecedor pode ter padrões de qualidade diversos do original”, completa.

Vantagens adicionais e desafios

O PEE pode trazer uma vantagem extra para o setor de qualidade das empresas, como destaca Juan Corriols. Além das questões técnicas do controle da qualidade, “o principal objetivo dos estudos de estabilidade deveria ser o entendimento das oportunidades de melhoria que eles podem trazer aos produtos. Na medida em que demonstram os pontos de aprimoramento possíveis naquilo que é comercializado, apontando oportunidades de melhoria dos produtos, eles se tornam uma ferramenta importante para garantir mais qualidade, segurança e eficácia ao que é produzido”, sustenta o consultor. Contudo, não é bem assim que acontece. “Infelizmente, algumas empresas no Brasil ainda entendem que a realização de estudos de estabilidade não passa de uma exigência regulatória a ser cumprida”, lamenta o diretor da Star Consulting.

Outro aspecto diz respeito à abrangência do PEE. Segundo Corriols, idealmente os estudos deveriam ser aplicados nos insumos (princípios ativos e excipientes), produtos semi-acabados (comprimidos em barricas antes da embalagem ou líquidos armazenados em containeres) e, por último, nos produtos acabados. “Mas, infelizmente, a maioria das empresas somente realiza os estudos de estabilidade nos produtos acabados”, diz o consultor.

Um dos fatores que desafiam as empresas em relação à execução do PEE diz respeito à gigantesca base de dados que é necessário manejar e a consequente interpretação dos resultados apurados. Isso exige uma equipe bem treinada e aporte de recursos. “A implantação do PEE, via de regra, implica em um substancial aumento de tarefas. No contexto atual, em que as pressões de custos são cada vez mais fortes, imaginar mais trabalho é um fator de suma relevância”, destaca Corriols, citando um exemplo. “Imaginemos que uma empresa tenha 30 produtos na sua linha de comercialização. Ela terá que realizar pelo menos trinta estudos de estabilidade por ano. Cada estudo de estabilidade de um produto com 24 meses de validade implicará na realização de oito análises ao longo da validade do produto (dois anos). Dessa forma, terá que fazer a seguinte equação: 30 produtos X 8 análises X 2 anos, totalizando 480 análises.”

Esse montante está relacionado apenas para os estudos de estabilidade de acompanhamento, que é uma obrigação para manter o registro dos produtos, lembra o consultor. Então, são 480 eventos (análises), ocorrendo em datas variadas, que deverão ser gerenciados simultaneamente. “Além do próprio trabalho da análise realizado pelo controle da qualidade, há que se considerar o gerenciamento e “timing” dessas análises, que é o principal problema e que normalmente não é cumprido. Isso considerando uma linha de produtos relativamente pequena de trinta produtos. É praticamente impossível realizar um PEE eficiente sem um sistema informatizado de gerenciamento”, frisa Corriols. As dificuldades encontradas para aplicação de um PEE são muitas, faz coro Anderson Carniel. “Temos que considerar também a interpretação dos resultados e, no caso de produtos de degradação, a rota mais provável de degradação de um IFA, bem como algumas ferramentas analíticas para melhor investigação, métodos que garantam maior seletividade do IFA mesmo estando em uma matriz variada”, afirma.

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